sexta-feira, 18 de março de 2016

efemeridade

efemeridade
sós
de mãos dadas
na lua nova
vemos a
imensidão do
nada
nada sei
mais nada sei
nada de amor
de olhos abertos
seres não vêem
na noite sem
fim
procuro a mão estendida
do amigo
com a efêmera vontade
de ser mais vida
menos morte.
Foto de Hilda Helena Dias.

peso destilado

peso destilado
as vontades primeiras
agigantam disformes
não há caminho
para percorrer
meu corpo de argila
advinha
o que não se diz
o amor no
choro estremecido
fala da pouca
felicidade
na infinitude
dos amantes
a morte confidencia
a perca de
voos mais altos
o corpo chora
e destila o peso
do outro ser seu.
Foto de Hilda Helena Dias.

flor mórbida



flor mórbida
vejo a flor do
túmulo
tatuada em
mim
os dias vestidos
de sombra
nu ficam
sonhos pedidos
exalam em
raízes largas e
maduras
minhas asas
exiladas descontentes
fazem-se contentes
com pupilas azuis
vê-se beleza
no desatino.
Fotografia: Arô Ribeiro

Escuridão

escuridão
a noite feroz
se prepara
avizinha e 
advinha
num só tempo
o ser múltiplo e
imóvel
não sabe ser
terra
ao sonhar com
olhos inocentes
assisto o anoitecer
com espanto
ando comigo
invento caminhos
e reinos
a vida breve
leva-me sem
ódio e sem
amor
deixa-me só
na singeleza de
existir
no escuro
afinal
a certeza de
nada ser.
Fotografia: Arô Ribeiro
Foto de Hilda Helena Dias.

Mudez

Mudez
o silêncio maior
que a solidão
não cabe na
noite
a relíquia da
memória com
mordaças no
tempo presente
tem pouco a
dizer diante
da alma criança
entre a verdade e
infernos
a trama em silêncio
inventa-se magia.
Foto de Hilda Helena Dias.

Cântico



Cântico
com a cabeça
na lua
com asas livres
na solidão de um
sofrer sozinho
passos leves
na trilha
amante da terra
vivo e
padeço
me perco no
breve momento
brisa leve
pertenço o outro
perdida em palavras
raras
canto
um querer claro
com enlevos
a vida breve
bate asas e
depois
nada.

Infância

Infância
me perdi na
criança confusa
que fui
ao anoitecer
a conversa com
o medo
sem defesas
nunca soube o
que dizer
dos contos de
fada
o vivo de
mim
sempre se calava
me espanto
sou infância
sem controle
delirante
dou risada
escolho o mundo que
vivo
nada além disso.
Fotografia: Arô Ribeiro
Foto de Hilda Helena Dias.

arcabouço



arcabouço
em paredes
canto mais alto
encanto o sentir
na fonte primeira
meus mitos
nos castelos lendários
me aqueço

me despojo
de solidão
sonho o delírio
no mergulho da noite
o medo
canta o que a
alma deseja
sem palavras escolhidas
em luares e desertos
desdobra-se
afeto e amor
sem nada entender
de voos e pássaros
desenho meu voo
penso o arcabouço
limito-me no pouso
aprisionada
contento-me de sonhos.
Foto: Arô Ribeiro

Passeio nas sombras

Passeio nas sombras
mesclada de
céu e terra
com lua nas
duas órbitas
minha alma sofrida
de inocência
canta
passeio nas sombras
das luas ausentes
oposta ao vento
meu olhar tardio
caminha entre
dois mundos
desdobro-me no outro
me vejo
no tempo guardo a
dor e anuncio
que sou pedra
talhada
ressuscito alegrias inteiras
da madrugada
meus ouvidos
abertos a ternura
vê meu sangue
em ouro se
transmutar
a minha verdade é
póstuma e secreta
em direção oposta ao
vento
caminho entre
dois mundos
me espanto
elaboro em vão
meus sonhos na
solidão mais funda
o amor perfeito e
indivisível
na carne punida
em mim se faz
enquanto no ódio
dos deuses sou lembrada
a noite me atinge
te sonho
deito-me sobre o
tempo que virá.
Arô Ribeiro

Canto partido

Canto partido
entrego-me a terra
na minha dádiva
ela generosa me
toma e aceita e
vê meu rosto igual
a outros mortos
o instante não
se afasta de mim
padeço no meu existir
e não me perco
no outro o
ouro mais fundo
coisas breves tomam
conta do ser
saga transformada
em chagas
em sombras e brasas
vejo o amor perdido
no sopro da agonia e
gozo
ouvirá o meu
silêncio pesado
porque o amor
se fez e conduz a
eterna dor e
desassombro
amo a terra como
mãe sofrida
vejo-a esplanada
livre de minha
aparência
afundada no vão da
terra
sou arcabouço no
descanso e rudeza
na morte de mim
um canto partido.
Performance para Câmera: Ana Montenegro
Foto de Hilda Helena Dias.

tempo de espera


tempo de espera
minha alma
olha o tempo galopar
o vento me guarda
dos escorpiões no
meu pouco de terra
a dor do silêncio
contínuo
passeia no muro
da morte
procura em renúncias a
descoberta do fim
o suor invisível
toma corpo
no medo
multiforme e
calado
o amor.

a viagem

a viagem
extensa na Terra
tantas de mim
se despedirão
pródigas
o corpo de
amor configurado
será passado
de mim
no escuro labirinto
me faço
meu corpo de carne
envolvido
move-se a
medida do amor
um rosto de
barro esquecido
viaja no todo
de ser memória
coberta de recuos
guardo-me
minha memória
há de ter asas
e em brasas
meu peito é leveza.
Foto de Hilda Helena Dias.

sem repouso

sem repouso
no equívoco da
transparência
meu opaco visto
passeia na terra
na claridade confusa
não me vejo
nem sei de mim
a verdade revestida de
sombras é minha
lentamente um todo meu
se alarga
com ousadia penso
a infinitude múltipla
o corpo assustado
fechado no portal
sem freio canta a
vida e sangue
o pensamento alimentado
projeta sem limites
a renovação dos corpos
pulsa e não repousa
a ideia
nela me faço.
Hilda Helena Dias

O pouso

O pouso 

o peito transparente 
em plenitude 
voará na distância 
e no tempo
viajarei só e
eternamente

não estarei comigo
minha voz entre
muralhas falará
do infinito

no sonho
canto a metamorfose
vejo na asa do silêncio
meu espírito pairar.

meu corpo de luz
se moverá em
direção ao Sul
há de achar uma
clara morada

Hilda Helena Dias

Fotografia: Mário de A. Andrade, via Arô Ribeiro.