terça-feira, 26 de janeiro de 2016

O cântico

O cântico

dentro do coração
durmo
no ventre
raízes recentes de
amor  e medo

em aflição
celebro o vento
que não escuto
a voz ardente
na chaga do sol
se cala

o meu corpo dorme
na terra
ama-se o ouro sangue
que vira larva

em um voo
abro meu canto
a trajetória do
amor é ampla
nascem flores sobre
o sono e lamento.

HILDA HELENA DIAS
Arte: Arô Ribeiro com performance para fotografia de René Misumi.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

O grito

o grito

ouço o grito escuro
dos homens num
rio de extensas
águas desiguais
passando nas
manhãs  de medo e
pobreza

em mim
um olhar aguado
escondido das gentes

o sangue de ouro
compra o tempo
nos olhos do espírito
a fome de estar
vivo
querendo a vida
de volta

mortos acordados
na lucidez
se juntam
na rudeza aparência do
amor dilacerado
trabalham riquezas

loucos
com garras de ferro
desaparecem no
roteiro ensolarado
com uma faca finíssima
grito levando
na noite
num passeio esquecido
bombas limpas
num regime rígido

morrendo descobre-se
a si mesmo
se faz abstração
no cruzar da
tarde

sem unanimidade
como ferozes
convive-se no todo
com tudo
o rio correndo
fascina os amantes
que trabalham o
sangue.


Hilda Helena Dias
Fotografia: Arô Ribeiro

domingo, 24 de janeiro de 2016

O mover

O mover

antes que
acabe o desejo
prova-se do
gosto milagre
assisto o
campo florido
armo-me no
silêncio
nos mares de
gente de
palavras negras

é assombro
ser  no círculo
do outro
o centro do
amor se movendo

na explosão do
sangue
a extensidade.

Hilda Helena Dias 

Fotografia:Arô Ribeiro, com performance de René Misumi.

transmutação

transmutação

os dentes do sol
mastigam o
escuro momento
dentro de mim
a sombra do
tempo
rói a vida

o corpo de terra
de dentro para
fora
pensa o mundo
vejo os girassóis
na tarde
se fechando

a morte evidencia
o caos
iludo-me
ficando feliz
por ter um
sono bom

no instante do
nada
o corpo fervendo
enlouquece
atraído pelo amor

articulo meu eu
crio um império
evoluo
flui-se em outra
dimensão.

Hilda Helena Dias

a guerrilha

a guerrilha

afasto-me do
limite de
nada ser
expondo
minha carne e
ossos

desvio de julgamentos
que me impedem
do meu corpo fraco
ter um diálogo com a
irracional vida

vivo fragmentada
me devoro nesta luta
isto tanto faz
desdobro-me
gozo na minha fraqueza
luta-se a vida toda.


Hilda Helena Dias

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

o monstro

o monstro

tensa
mergulho no
gozo momento
sorvo as horas
embriagada pelo
sangue
em minha veia

nada digo
não quero dizer
penso de dentro
entre fumaças
respiro
todo meu
eu

escancara pelo
corpo a
consciência
vejo o antes e
depois
iludo-me
de nada ser e
nem continuar
a ser nada
o ser em mim
luta com
a monstruosidade de
nada ser

de repente o
silêncio
minha língua
viva e monstruosa
de ser o horror
me fere

serei obstruído
do real
doente
não digo
que nada significo

recuso-me a falar
mergulho e falo de
dentro das dobras
que sou feita de
carne

contra todos
os contras
enlouqueço
supero-me
com a cabeça sangrando
não escapo de
mim
enfrento-me
sou um arsenal
em um corpo
disposto.

Hilda Helena Dias

Vicent Van Gogh

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

coração dilatado

coração dilatado

nos dias longos de
noites curtas
temo no perpétuo
instante ser
brevidade do
infinito amor

apagar o existir
da matéria no
sangue
desordena

a ideia de existir
no outro
é ser céu de mim

o meu passado e
futuro o tempo
engole
degusta-se o
que em vermelho
a vida anuncia.

Hilda Helena Dias


nossas memórias

nossas memórias

somos filetes de gelo
em águas correntes
matéria íntima
de nós no
tempo morrendo

meu corpo animal
medido pelo amor
tatua na memória
confidências e
silêncios de
nossas estações

nos dias dilatados
nossas caras
no rosto um do outro

deliberamos amar
em pedaços nos
cortamos

desço as escadas
da alma
saindo da sobreexistência
encontraremos a
entrada para
nossas partidas.

Hilda Helena Dias
Arte visual: Alice Wellinger

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

morte pequena

morte pequena
canto-te
oh morte!
numa planície 
oca
sou poeira insignificante
perco-me na sua
hora
mas tu
perdes o meu
vazio
as horas das
minhas buscas
vestida de
sol
paredes d'água
espelhadas do
outro
ultrapassei
imagino-te
crescendo nova
a cada dia
até o dia
que por ti
serei pedida como
amante
me vigio
te esperando
nos instantes
cegos
reconheço-te
virá quebrando
as porcelanas
prostituta desprezível
te coroo rainha
me colo e
recebo-te ao
meu deitar
nas ilusões e
sonhos te
abraço
levarás meus
órgãos dos sentidos
tudo que desfrutei
coisas insignificantes
mas minhas
o nada tudo é
e em tudo
está
persigo-te sua
fingida
tiro sua
máscara
amando-te
como predadora
devoro-te
como se tu
coubesse toda
dentro dos meus
ossos
recrio-te
em ideias infinitas
a semelhança
da vida
eterno nada é
teu nome
rio de você
sem cara
na intimidade
te penso
fascinada por
mim
se alimentando
da minha
carne
sou pesada
de vida
terás que
dobrar-te
como uma
égua negra
pois não sei
montá-la
provo-te
nas perdas
de minha memória
de pó
viva te persigo
morrerás pequena
dentro de mim.
Concert For a White Lily
SOUND Performance
Action: Ana Montenegro
Conception: Ana Montenegro e Edgar Ulisses Filho
Musical instrument: py tagorean monochord
VERBO 2006, Vermelho Galery, São Paulo, SP

nichos

nichos
na insensatez
do sonho
sou apossada
sonâmbula
ao som cruel
o corpo em
batalha
corroem as
cordas do sentimento
a alma desfeita
embriaga a lucidez
na convivência
de todos os animais
ferozes
o excesso de loucura
tecida em redes
na armadilha
sem cor
o nicho de
ser de
outro
é dar vida a
alma
dedos estancados
e estendidos
buscam a
carne viva
o amor é devorado
no toque furtado
dos sentimentos
sobre o peito
passeia as muralhas
do tempo se
desfazendo
temo a minha
caminhada
colada noutra
vida
não sei como
caberemos
noutro mundo
sentir é divino
nascer no limite
mínimo
atado e tecido
na canção da
leveza
me faz ver os
espinhos coloridos
carne breve
de matéria
nos sonhos mortos
dormirei pela
eternidade
acordada, amo
ter alguém ao
lado
é ser sonho de
mim mesma
no espelho do
outro
o sigilo extremo
sem limites
se faz sombra
no retrato
dos mortos
dorme o eterno
suspenso sobre
ideias e inventos
durmo pensando no
meu corpo vivo
armado de listras de
delícias
na leveza do
corpo
ser amado
é estar no
Paraíso
agora é tempo
de luz
vivo, o
sentimento toca
em mosaicos
a vida sendo
água corrente
nos faz areia encharcada
sorvendo do
rio que nos
estende e diminui
o coração aberto
fechado na
dimensão de Terra
sonha de volta
à vida
nas sombras e
ilusões seremos
tomados como
amantes proibidos
sonho-me tua
extensa
vermelha e viva
ouço dos nichos
uma voz que
está comigo
no luto
minha casa
no seu coração
escondido na eternidade
a minha alma
não terá sobrenome.
Visual Art: Alice Wellinger

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

pensamentos engolidos

pensamentos engolidos
sonhos queimados
despertam homens
que residem no

no medo
ser poeira é mover-se
no esquecimento
de ser inteiro
filha da ideias
sou vazia poeira
que não cabe
dentro de mim
a alma é vazia
pequena
pouco invento
mas sangrando
feita de carne
deixo-me amar
sou inventiva
sonho resíduos dos
sonhos do outro
com arame farpado
nas costas
a teia das sombras
não me guarda
sangro meus passos
cega
sigo no cansaço
de olhar para mim
afogada no que
inventei
envelheço com
cara nova
sem desânimo
sigo em frente
a infinita procura
pensa no coração da ideia
durmo humana
no desenho do nada
mato minha sede
sem saber quem sou
o meu nome será gritado
na ausência da
matéria que
me sustenta
devorada sem dentes
encorpar-me-ei
contra a vontade
na fúria
desordenada
deixarei de ser
humana
na luz sem
juízo da
vida
a razão pulsa
diante de ser barro
desapareço na
loucura da
noite negra
dona de um
prazer breve
nada sou
minha cabeça
é dona do meu canto
a minha alma
na moldura é
indiferente
no contrastes das luzes
o sangue é
lambido
o mundo que sei
é o que tenho
conhecer-me no depois
é uma anoréxica promessa
que a alma sente na
delícia do nu
tenho fome do
todo eu
seduzida pelo
finito gasto
me retalho
gasto-me no
nada
o nada fica
pesado com os
pensamentos comidos.
Hilda Helena Dias

vazio de mim

vazio de mim

na minha neblina
flutuo sobre a
grande face
me canto
antes de ser pó

me fantasio de ser e
existir eternamente
quando sou nada
viro fantasma para
tocar meu
espírito

atravesso abismos ao
avesso
toco a Luz do começo
e surpreendo-me
na minha exuberância e
excessos
recrio-me seduzido

queria ser esquecida e
prisioneira
da farta nudez
que encanta

precisarem da minha carne
e tomar-me com fome
torna vago o
espírito
ser vício escuro
da Terra
clareia o
nada

amando possuímos
os ossos da profundeza obscura
no toques das
carnes
o desejo da eternidade

honro-me diante do
nada
traduzo-me para não
ser confundida

brinco com medo do
exílio que tem
todas as respostas
para me dar a luz

juntos nos nossos
vazios
a forma humana
será revelada
corpos raros
nesse tempo.

Hilda Helena Dias
Arte: Ludovic Florent








sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

embriagadas

embriagadas

o tempo abre
sua boca
devora meus instantes
me come se
saciando
tocando-me nua
morde minha carne e
sonhos

minha carne sem nome
é tocada no extremo
sustento-me na
morte que condena

sento junto com
a vida
trago-a e a bebo
os ossos com frio
vejo a morte chegar
embriagada
choro
o líquido acabou.

Hilda Helena Dias
Arte: Arô Ribeiro


quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

busca do amanhecer

busca do amanhecer

o mundo engole-me
me vejo vestida de
amor finito
minha carne perecível
deseja o indefinível

busco no corpo
sonhos soberbos
manchados
que reluzem no fechar dos olhos
a noite que
morre encarnando o
amanhecer

obsessiva
desejo na manhã
lavar-me nas
águas que não bebi

tento memorizar
o que vou sendo
deleito-me na
minha fome
o avesso se
mostra num
inquietante cardume

no breu, onde se
vela o coração
de Deus
deito com o
tempo vivo
que abrevia
meu passo

vasta, convivo
com o espaço
alimento-me
para muitas vidas que
não terei depois

movo-me no deserto
no medo de assemelhar
depois de morta
a terra
meu espaço é
triturado a cada
dia.

Hilda Helena Dias
Arte:Arô Ribeiro
Performance A Roupa do Rei com Rafael Amambahy

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

sem forma

sem forma

desdobro-me
sem o peso dos
sentidos
em camadas meu
ser
surge desorganizando-me

a inutilidade tramada
anula a forma
início e fim é
coisa criada

em combinações
múltiplas
alimento o corpo
ele luta contra as
raízes

crio o que nada
posso
pôr no lugar
impondo minha
vida
obstruo o real

desdobro a vida
mergulha-se dentro das
dobras e
contra as dobras
a carne saciada
é desejo que
santifico para eternidade.

Hilda Helena Dias 
Device for performance
DRAWING: ANA MONTENEGRO 
AWKWARD

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

reverência

reverência

desafio o limite das
emoções
secas e fundas

em minhas águas
lanço âncoras
comunico comigo
sou acontecido

as ideias selvagens
esvaziadas de sentidos
em silêncio
movem-se
dentro

minha existência
nua
clama meu corpo
escavo a fronteira do indizível
com meu sangue
em metamorfose
serei eu em
um não lugar

o ser e o mito
nascem juntos
me curvo diante da
Terra estranha
que me abriga.

Hilda Helena Dias
Arte: Arô Ribeiro

domingo, 3 de janeiro de 2016

podada

podada

aparecerão anjos
depois da morte?
algum deles pronunciará
meu nome?
alguém me carregará
morta em seus braços?
carregará meu amor?

carregar-me-ão por
vaidade
me perderei
sem dizer meu nome
sem ter meus olhos

a porta da vida
se fechará
para mim
meu dedo
não suportará
meu anel
o ouro será
recolhido pelo coveiro
em outra estação

ganho vida
perdendo-me na cena
depois de muitas
podas
a vida me joga fora.

Hilda Helena Dias 
Arte: Arô Ribeiro com performance para fotografia de René Misumi

celebração

celebração

viva conheço o perigo
de não ser nenhuma
estação
a natureza reage ao
fim

em êxtase
espero a chamada
da terra ao céu
antes do sacrifício

a força do
coração vivo
se partirá num
mundo de louça

enquanto a morte
clama e ergue
sobre mim
procuro os anjos
que celebraram a
minha vida.

Hilda Helena Dias

Performance para Câmera: Ana Montenegro e Maurizio Manciolli

sábado, 2 de janeiro de 2016

coração sem peso



coração sem peso
todos são sozinhos
na essência meu
sangue me transmuta
ressuscita-se
se elevando-nos
segredos que não
se entendem
amo-me
vejo meu eco interior
no corpo vivo
deslumbro-me diante
de ser mistério
trabalho comigo e
esvaziar-me-ei de
luz
concentro-me no
nada que me
toma e
ordena a solidão
profunda
não me aflijo
o amor é perfeito
calo-me
não tenho tempo
para tormento
a vida é curta
tento tornar os
momentos lógicos
dou nome a
mim
eu mesma me faço
batizo-me no meu
eu
nada se perde sentindo.
Hilda Helena Dias
Fotografia: Arô Ribeiro com Luís Mármora

acabamento

acabamento
desconheço minha totalidade
meu contorno desde o
ventre
habitava antes que
o amor em mim
surgisse
obscura alma
rumo à morte
sorrio e continuo
num grande buraco
que engole meu
caminho
confronto-me diante
desta vida (mistério)
longa
breve e
plena
minha alma fica louca
meus pés e
meu corpo me seguram
viva enquanto devo ir
alguém deita comigo
conhece minhas verdades
e vazios
inútil vida de
emoções desmedidas
em desperdício
rumo a sepultura
tenho um som de
treva que invadirá
minha luz
sozinha escureço
perco-me na Terra
sendo luz
na cegueira silenciosa
sinto meu passo
inteligível
morta serei inteira
acabada
fiel ao que fui pensada.
Fotografia: Arô Ribeiro

floração do corpo

floração do corpo
no cárcere de mim mesma
desconheço minha totalidade
sorrio diante do teu
percurso
queria que demorasse
no meu tempo
percorrendo-me com
cuidado
sinto-me terrena
no toque do seu corpo
sua mão na minha é
como se água circundasse
você é terra úmida
em mim
aspira expectativas
tem vida
palpitação
gosto de ser tomada
sou fêmea na Terra
nas volúpias eternas
corpos foram feitos
para serem tocados
a carne é linda
faço-me carne
te conhecendo.
Fotografia: Arô Ribeiro

dentro de mim



dentro de mim
olho e sinto o mundo
sou alguém
visito paisagens e corpos
com a vida cortada
numa fusão temporal
entre passado e presente
aprendo com outro a vida
com a alma inquieta
analiso o novo instante
entrego-me
àquilo que não compreendo
no chão seco me lavro
com suor
nada conto
articulo a ficção no
fluxo de memória
bebo a vida
embriago- me
do seu líquido que
parará de sangrar em
meu corpo
caminho dilacerada
abalo meu comportamento
ossificado
o coração selvagem
alegra-se
do tudo
de nada ser.
Fotografia: Arô Ribeiro

afastamento

afastamento
corro o risco do desconhecido
arrisco-me
livre para fracassar
transgrido o perpétuo
me fodo olhando as estrelas
estando na sarjeta
o sangue geme dentro de mim
o vazio é escuro
só o silêncio se mostra
olho o abismo sem
nada ver
enlouqueço na busca
no esfacelamento
um dia sumirei
da Terra
ouvirão minha quietude
afastar-se-á o espírito
de tudo que se conhece.
VOID
Perfomance for Câmera
Ana Montenegro and Maurício Mancioli, colaboration.
São Paulo, 2015

partida

partida
quero você rápido
me engolindo delicadamente
deixo e não grito
incapaz de decidir
sua fome de mim
ao sentir o seu
corpo
vou sendo
tempo vivo
ninguém pode ser
extensão do outro
não sou plena
toco-te no meu medo
no teu amor...
você existe nos
meus sonhos
e te ouço
meu coração de fogo
é fonte do teu toque
lavo-me nas sombras
segredos de carne
não sabem o
limite das trevas
olho e sinto o
mundo
que não é nada
dois corpos mutilados
num vazio escuro
me arrasto só
eu e o nada
do meu nome
na tua mão
sinto a minha
enquanto morro
possuo tua carne
há amor
quero te pertencer
na alma nada entra
nenhuma palavra solta
para agarrar meu
coração
viva
afundo-me
caminho no teu
ritmo
não me interrompo
calo-me diante da
morte
nomeio ilusões.
Fotografia: Arô Ribeiro
Peça "O Conto do Cisne" com direção de Luis Luiz Eduardo Frin

lembrança de mim

lembrança de mim
tudo que dorme
deveria ser contemplado
não basta saber dormir
apronto-me para o dia
projeto minha ilusão
para além da vida
procuro-me no silêncio
da luz
desamparada e esquecida
a alma tornar-se-á vazia
no nada do dia a dia
cru e vivo é o tempo
engulo o incomensurável na finitude
me perco no absoluto e sua fúria
ao querer compreender a penumbra
o corpo é uma armadilha
sangrento os dias
não sei de nada
do que é estar morta
nas dobras da vida
perderei o que sou
morre-se com máscaras
de felicidade no escuro
compreender a vida
é deslizar para dentro do ser
sou dona do meu corpo
a morte não tem jeito
engasgo-me neste abismo
meu corpo grita
o vazio triste
hóspede da Terra
me encho de perguntas
recortada
suporto-me viva
sou poeira da mais fina
cega, aborto os dias
faltará luz dentro de mim
insuportável é amar a
Terra, o gozo, o outro
morta não serei
vista pelos vivos
desastrada lembrança de mim
vasta, afundo-me no mundo
perco-me para saber quem sou
existir na Terra
decifra-me.
Fotografia: Arô Ribeiro, com René Misumi
Estudo- Elogio à sombra

a travessia do nada

a travessia do nada
sem emoção a
morte surge
dilui o amor
a vida
a força que vive dentro
falas de amor
não escondem segredos
a morte é dura
talvez interrogação
para o que ainda posso criar
sorrio apenas
com o que tenho
dentro do peito
sem medo do depois.
Fotografia: Arô Ribeiro
Série: "A Cidade Mauá"
Ela busca 7 livros a cada 15 dias no BiblioSESC

inacabada



Inacabada
viva,
não posso gozar do espírito e
de sua soledade
sem me cansar
gozo da minha loucura
queria dar a repartir
na profundidade da noite
sonho com a luz
do meu mundo interior
acordada entre os que
dormem
incompleta
minha passada
soa solitariamente
nas ruas
ouço-as
como a noite
no bosque da morte
supero-me humana
fiel à terra
mergulho no meu mar
para meu acabamento.
Performance para Câmera:
Ana Montenegro e Maurizio Mancioli, colaboração Design sonoro: Wilson Sukorski.

ser sagrado

ser sagrado
discirno a alma nos
abismos dos cinco sentidos
mergulho no rio
que o tempo produz
não me vingo
num corpo morto
nas estradas tortas
sem aperfeiçoamento
vive-se
...é sagrado.
Fotografia: Arô Ribeiro

eclosão de mim

eclosão de mim
rio de mim
é inútil resistir
explodo como meteoro
diante de um mundo
estranho e confuso
nas volúpias imateriais
há eclosão da
embriaguez misteriosa
nas noites aventurosas do sono
faz-se término o mistério
fixo na vasta
tela da memória
meu sonho
sou eu
o sonho governa o homem
num espelho aumentado
em potência
subjuga-se
ouço a voz
sou presa de um grande projeto
nasce dor da imaginação
um velho corpo
não suporta tantos desejos
da alma nova
ligada ao mundo
enceno a vida
encerradas as celebrações
retorna-se à solidão
a interioridade é
um abismo intransponível.
Performance para câmera : Ana Montenegro

imortalidade

Imortalidade
observo-me
nas lembranças
...minhas imprevisões
nada existe inteiramente
engulo a felicidade
para vomitá-la
como mortal
na lembrança das
realidades invisíveis
meu equilíbrio
gosto do infinito
nele me expando
nos prazeres mórbidos
minha imortalidade
a verdadeira realidade
encontro nos meus sonhos.

alternativa

alternativa
não se substitui
uma realidade existente
as árvores não ocultam o bosque
sou faceta de um todo
sendo me rebelo
solto minha voz
não me rendo à repressão
luta-se contra
o pesado pisar que esmaga
envolvida na complexidade
numa excursão até a morte
realizo-me humana
arranco de mim a alienação
tudo que é visto
não dura
aspiro tudo
na esperança de
fazer alguma coisa
luta-se contra o mal
construímos juntos a salvação
reinvento-me
exalto a intransigência
o absurdo não mais será temido.
Fotografia: Arô Ribeiro

sombra de mim

sombra de mim
ajusto-me no nunca mais
o eu como o agora
se fará disforme
a morte me exclui
minha sombra é loucura
habito em suas estalagens
vivo meu avesso
nas máscaras da volúpia
me deleito
na minha extensidade
o inatingível
sem armaduras vive-se
aprendo a morte
perco-me a cada dia
prefiro preexistir
pertenço à morte
que me separa de mim
dela não me escondo
...desdobro-me na minha sombra.
Foto Arô Ribeiro -OKÊ -
Série "Poéme dans te béton-
Performance Laura Cornejo- Centro Cultural São Paulo.

instante...

instante...
viver é muito doido
ser é caso de loucura
fragmentada de momentos 
aposso-me sendo
divido-me em tantas quanto
os instantes que decorrem
num mundo em desordem
minha respiração é ordem
deixo-me acontecer
invento a realidade
o instante é ameaçador.
Foto de Francisco Heiras tirada na Galeria Vermelho, durante o Evento Verbo, do Projeto SOLOCOSMOSCAS, da Artista Ana Montenegro

indo...



indo...
preciso me livrar
desta carga pesada
de ser eu mesma 
penso a vida
sou enredo verdadeiro
...salvo-me morta!
sendo livre de mim
descanso
sob pena de morte
sem aviso prévio
...eu sou indo!
Fotografia:
Performance for Camera
Ana Montenegro and Maurizio Mancioli, collaboration.
São Paulo, 2015