domingo, 18 de janeiro de 2009
Gestão Democrática Escolar
As mudanças vividas na atualidade (décadas de 80 e 90) em nível mundial, em termos econômicos, sociais e culturais, com a transnacionalização da economia e o intercâmbio quase imediato de conhecimentos e padrões sociais e culturais, através das novas tecnologias da comunicação, entre outros fatores, têm provocado uma nova atuação dos Estados nacionais na organização das políticas públicas, por meio de um movimento de repasse de poderes e responsabilidades dos governos centrais para as comunidades locais. Na educação, um efeito deste movimento são os processos de descentralização da gestão escolar, hoje percebidos como uma das mais importantes tendências das reformas educacionais em nível mundial (Abi-Duhou, 2002) e um tema importante na formação continuada dos docentes e nos debates educacionais com toda a sociedade.
Como essa tendência é vivida nas escolas e nos sistemas educacionais? Quais são as diferentes possibilidades de vivenciar processos de descentralização e autonomia nas escolas e nos sistemas? Que desafios precisam ser enfrentados, considerando uma tradição autoritária e centralizadora, comum em tantos países, dentre eles o Brasil? De que modo oportunizar a participação da comunidade educativa, a partir da diversidade dos diferentes atores sociais? Qual a relação entre democratização da escola e qualidade de ensino? O que se entende por gestão democrática na educação? Essas são algumas das preocupações que surgem quando se busca implementar processos de descentralização e autonomia no campo da educação.
A gestão democrática da educação formal está associada ao estabelecimento de mecanismos legais e institucionais e à organização de ações que desencadeiem a participação social: na formulação de políticas educacionais; no planejamento; na tomada de decisões; na definição do uso de recursos e necessidades de investimento; na execução das deliberações coletivas; nos momentos de avaliação da escola e da política educacional. Também a democratização do acesso e estratégias que garantam a permanência na escola, tendo como horizonte a universalização do ensino para toda a população, bem como o debate sobre a qualidade social dessa educação universalizada, são questões que estão relacionadas a esse debate. Esses processos devem garantir e mobilizar a presença dos diferentes atores envolvidos, que participam no nível dos sistemas de ensino e no nível da escola (Medeiros, 2003).
Esta proposta está presente hoje em praticamente todos os discursos da reforma educacional no que se refere à gestão, constituindo um "novo senso comum", seja pelo reconhecimento da importância da educação na democratização, regulação e "progresso" da sociedade, seja pela necessidade de valorizar e considerar a diversidade do cenário social, ou ainda a necessidade de o Estado sobrecarregado (Barroso, 2000) "aliviar-se" de suas responsabilidades, transferindo poderes e funções para o nível local.
Em nível prático, encontramos diferentes vivências dessa proposta, como a introdução de modelos de administração empresariais, ou processos que respeitam a especificidade da educação enquanto política social, buscando a transformação da sociedade e da escola, através da participação e construção da autonomia e da cidadania. Falar em gestão democrática nos remete, portanto, quase que imediatamente a pensar em autonomia e participação. O que podemos dizer sobre esses dois conceitos, já que há diferentes possibilidades de compreendê-los?
Pensar a autonomia é uma tarefa que se apresenta de forma complexa, pois se pode crer na idéia de liberdade total ou independência, quando temos de considerar os diferentes agentes sociais e as muitas interfaces e interdependências que fazem parte da organização educacional. Por isso, deve ser muito bem trabalhada, a fim de equacionar a possibilidade de direcionamento camuflado das decisões, ou a desarticulação total entre as diferentes esferas, ou o domínio de um determinado grupo, ou, ainda, a desconsideração das questões mais amplas que envolvem a escola.
Outro conceito importante é o da participação, pois também pode ter muitos significados, além de poder ser exercida em diferentes níveis. Podemos pensar a participação em todos os momentos do planejamento da escola, de execução e de avaliação, ou pensar que participação pudesse ser apenas convidar a comunidade para eventos ou para contribuir na manutenção e conservação do espaço físico. Portanto, as conhecidas perguntas sobre "quem participa?", "como participa?", "no que participa?", "qual a importância das decisões tomadas?" devem estar presentes nas agendas de discussão da gestão na escola e nos espaços de definição da política educacional de um município, do estado ou do país.
Quais são os instrumentos e práticas que organizam a vivência da gestão escolar? Em geral, esses processos mesclam democracia representativa - instrumentos e instâncias formais que pressupõem a eleição de representantes, com democracia participativa - estabelecimento de estratégias e fóruns de participação direta, articulados e dando fundamento a essas representações.
Vários autores, como Padilha (1998) e Dourado (2000), defendem a eleição de diretores de escola e a constituição de conselhos escolares como formas mais democráticas de gestão. Outro elemento indispensável é a descentralização financeira, na qual o governo, nas suas diferentes esferas, repassa para as unidades de ensino recursos públicos a serem gerenciados conforme as deliberações de cada comunidade escolar. Estes aspectos estarão conformados na legislação local, nos regimentos escolares e regimentos internos dos órgãos da própria escola, como o Conselho Escolar e a ampla Assembléia da Comunidade Escolar.
Para funcionar em uma perspectiva democrática, segundo Ciseki (1998), os Conselhos, de composição paritária, devem respaldar-se em uma prática participativa de todos os segmentos escolares (pais, professores, alunos, funcionários). Para tal, é importante que todos tenham acesso às informações relevantes para a tomada de decisões e que haja transparência nas negociações entre os representantes dos interesses, muitas vezes legitimamente conflitantes, dos diferentes segmentos da comunidade escolar. Os conselhos e assembléias escolares devem ter funções deliberativas, consultivas e fiscalizadoras, de modo que possam dirigir e avaliar todo o processo de gestão escolar, e não apenas funcionar como instância de consulta.
Em seu projeto político-pedagógico, construído através do planejamento participativo, desde os momentos de diagnóstico, passando pelo estabelecimento de diretrizes, objetivos e metas, execução e avaliação, a escola pode desenvolver projetos específicos de interesse da comunidade escolar, que devem ser sistematicamente avaliados e revitalizados. A gestão democrática da escola significa, portanto, a conjunção entre instrumentos formais - eleição de direção, conselho escolar, descentralização financeira - e práticas efetivas de participação, que conferem a cada escola sua singularidade, articuladas em um sistema de ensino que igualmente promova a participação nas políticas educacionais mais amplas.
Abordar as diferentes concepções que disputam, na arena educacional, as proposições e vivências em termos de autonomia escolar, na construção do projeto político-pedagógico de cada unidade de ensino;
A participação da comunidade na gestão escolar nos conselhos escolares e no provimento do cargo de direção;
A gestão dos recursos financeiros no âmbito da escola; a gestão de projetos inovadores que conferem identidade a cada escola;
A avaliação institucional da escola pública como o processo que confere informações para as decisões, suas possibilidades e limites;
As relações entre gestão democrática da escola e gestão democrática dos sistemas.
A primeira tentativa de romper com esta lógica no campo da administração educacional no Brasil, foi em 1935, quando Anísio Teixeira então Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal, ao entregar o cargo ao Prefeito Pedro Ernesto, publicou o relatório de seu trabalho, sob título de "Educação para a democracia: introdução à administração educacional". Neste relatório, Anísio Teixeira considerava a educação escolar a base de uma sociedade democrática. Escola e democracia constituíam uma unidade indivisível. Por outro lado, Anísio Teixeira convivia com uma realidade social profundamente desigual: o sistema educacional dualista, uma escola erudita para a burguesia e outra profissionalizante e em número reduzido para os filhos dos trabalhadores. Anísio Teixeira pretendia uma administração democrática, mas sua formação liberal e o pensamento de John Dewey como suporte ideológico não garantiram a consolidação de um projeto educacional democrático.
A segunda tentativa de romper com esta lógica, foi no contexto das greves do magistério público na segunda metade da década de 1970, em pleno regime da ditadura militar, quando o capitalismo se encontrava na fase de expansão continental, materializada pela rede de bancos e de empresas estrangeiras que se implantava no país, época denominada pela mídia como a do milagre brasileiro. A questão democrática se tornou uma questão de soberania. Os movimentos sociais desencadearam amplas lutas pela democratização do Estado e da Sociedade, suscitando a criação de partidos de esquerda, de sindicatos e da Central única dos Trabalhadores, culminando com a proclamação da Constituição Cidadã em 1988 e as eleições gerais. A democracia constituía a grande esperança de emancipação.
O movimento de democratização do Estado e da Sociedade fortaleceu as reivindicações dos sindicatos em três dimensões: a) organização política das classes trabalhadoras; b) enfrentamento do arrocho salarial produzido pelo esgotamento do fordismo e do estado de bem estar social através de greves anuais; c) eleição direta para dirigentes de escolas, universidades e associações científicas, controle das verbas destinadas e aplicadas na educação e participação na elaboração das políticas públicas de educação.
Participação enriquecedora
Na escola pública algumas práticas de participação começaram a enriquecer o cotidiano escolar. O processo eleitoral de dois em dois anos para eleger dirigentes escolares, introduziu a disputa política, substituindo o velho sistema clientelista de indicações de diretores de escola pelos políticos locais. O Conselho de Escola e Comunidade composto por membros representativos da escola e da comunidade fortaleceu a participação nas decisões administrativas e pedagógicas. O retorno dos Grémios Estudantis Livres abriu uma perspectiva para a educação política dos alunos. O direito de filiar-se a um sindicato e de organizar associações de pais e de professores veio contribuir para mudar a cultura autoritária da escola. O pensar, o decidir e o fazer coletivos começavam a democratizar a escola. Este é período denominado de transição democrática das décadas de 80 e de 90.
Embora estas práticas de democracia representativa tenham sido conquistadas no bojo dos movimentos de democratização do Estado e da Sociedade, a sua eficácia, a partir de 1995, no contexto das políticas (neo)liberais de educação, está sofrendo críticas dos governos e desconfiança dos educadores. No âmbito da gestão, a mais recente Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é omissa em relação à participação popular e tímida quanto à participação dos professores, funcionários, pais e alunos. No cenário nacional, os governos embalados pelas políticas (neo)liberais alardeiam que esta escola pública está falida, porque não há verbas capazes de mantê-las, e a escola do futuro deverá ser uma escola em parceria com as empresas e com a comunidade. Em contrapartida, os focos de resistência em cenários regionais, quer pela iniciativa de sindicatos, de administrações municipais e/ou estaduais de partidos de oposição e de grupos ativos do Movimento dos Sem Terra (MST) vêm produzindo um número expressivo de escolas públicas que assumem o compromisso de fortalecer a idéia da construção de uma sociedade democrática de massas. Nestas escolas a participação popular é intensa.(Para ler o artigo na íntegra,confirme aqui Gestão democrática escolar - Portal Ensinando
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